sábado, 10 de maio de 2025

Libertação

Exploro aqui o meu estado de espírito nestes últimos meses, caracterizado por uma inusitada ousadia face à vida e à morte; por um raro surto de atenção e força vital; e por uma reconciliação com a própria existência e, consequentemente, com o sofrimento humano. Sinto-me, mais do que nunca, a contradição em harmonia. Nunca aceitei melhor o que me é negado; e renuncio, de seguida, a negação com o maior entusiasmo e rasgado sorriso. Em paz no olho da tempestade, a minha força de viver é indistinguível de um desejo de morte.

Começa por uma frustração enorme com este mundo fluctuante e esta frágil existência moderna. O que será de mim e dos que amo...? E o grande amor a que achava ter direito? Não mereço eu ter uma casa, em algum sítio ou em alguém? Poderei eu sonhar com um filho nos braços? Contemplei a perda de tudo o que me é querido; bem como a concretização dos maiores medos e a destruição dos grandes desejos. Rendi-me a esta consciência que um mundo alienado sonha.

Que peso me levantou dos ombros esta rendição, e que sorriso! E que surpresa é lutar tão intensamente pelo que já aceitei não ter. Quero morrer a enfrentar o maior desafio deste mundo; estar a altura do que a história de mim pede; e carregar comigo o riso e a leveza

Sempre me perguntei o que significa ser livre. Só sei isto: a liberdade é a derradeira forma de vida e de morte -- e eu nasci para ser livre!

Bate agora o meu coração aos tambores da libertação!

domingo, 29 de dezembro de 2024

Contemplação sobre a Morte

Ouço o meu falecido pai a chamar-me: "Filho...". 

Acordo repentinamente do que percebo ser um sonho. Lá, participava como sujeito e como objecto, como interioridade e exterioridade de um universo. Eu sou a mente que sonha o sujeito e o seu objecto; o avatar e a natureza que o envolve. Será Deus a mente que faz o mesmo com o que chamamos realidade? Se sim, somos feitos à sua imagem, somos natureza sonhada e sonhante.

Tenho pensado muito na morte; ainda luto com ela, em vez de a abraçar. Aquilo que me perturba, em grande parte, é a possibilidade de saber que vou morrer (e.g. ao ser diagnosticado com uma doença terminal) mas que existe um longo e difícil caminho até lá. Esse foi o destino do meu pai; e poderá ser o meu. Esta possibilidade tem-me causado imensa ansiedade. Quem me dera ser uma pessoa mais simples, mais meu pai, que apesar do sofrimento e solidão nos seus momentos finais, era muito mais positivo do que eu. O meu grande desafio nos próximos tempos será sublimar este medo e ansiedade.

Surpreendentemente, não tenho medo do vazio, nem do momento final por si só; tenho, aliás, uma certa curiosidade por esse preciso momento em que o meu corpo cessará; o que acontece à minha consciência?

Até lá, tenho de arranjar uma nova forma de ser na vida e na morte. Forma tal que me permita aceitar com paz e tranquilidade o fim que se aproxima; e forma tal que não force um fim que não é suposto existir. Uma total aceitação do que fui até agora nesta vida; posso partir quando Deus quiser. Entre brechas, já vivi esse espírito de que falo. Momentos de iluminação, arrepios no meu corpo inteiro, eu e a natureza indissociáveis.

Deus sonha, e nós vivemos. 
Deus acorda, e nós morremos.

sábado, 8 de junho de 2024

Narcisismo Colectivo

Aquelas almas vazias que vivem para alimentar a sua própria imagem.

Aquelas mentes anãs que insistem na separação dos seres humanos em categorias frívolas de etnia, género, cor de pele, entre outras.

Aqueles que, com pensamento afunilado, não percebem o que excluem ou quem excluem.

Aqueles que desgastam a cola social em nome de uma ideologia que em teoria se diz benigna.

Aquelas cuja razão e o diálogo não alcançam.

Todos estes devem ser ignorados e ultrapassados. Não há esperança para um doente mental que tem orgulho na sua doença, e que acha que dela todos deviam padecer. Tal como não há redenção para um parceiro abusivo, tóxico e narcisista, pois a sua identidade vive exclusivamente da sua doença: não pode ser curado senão por ele próprio.

A Maldade é a intensificação da separação.

Prece

Peço-te um desejo: que me deixes morrer.
Se fores piedoso, o meu corpo permanecerá
tão salutar como qualquer amanhecer.

Liberta-me - livre, faço bem o teu trabalho.
Destrói-me - revelerás, assim, o meu cerne.

Quero dar a este mundo aquilo que de mim precisa.
Se nada, então tira-me também o corpo.

quinta-feira, 6 de junho de 2024

Ciclo da Alma

Um grande calor a secar a miríade de poças que nos encerra.
Unidos nas nuvens, somos oceano no ar.
E chovemos enfim na terra, nós, Dilúvio.