domingo, 29 de dezembro de 2024

Contemplação sobre a Morte

Ouço o meu falecido pai a chamar-me: "Filho...". 

Acordo repentinamente do que percebo ser um sonho. Lá, participava como sujeito e como objecto, como interioridade e exterioridade de um universo. Eu sou a mente que sonha o sujeito e o seu objecto; o avatar e a natureza que o envolve. Será Deus a mente que faz o mesmo com o que chamamos realidade? Se sim, somos feitos à sua imagem, somos natureza sonhada e sonhante.

Tenho pensado muito na morte; ainda luto com ela, em vez de a abraçar. Aquilo que me perturba, em grande parte, é a possibilidade de saber que vou morrer (e.g. ao ser diagnosticado com uma doença terminal) mas que existe um longo e difícil caminho até lá. Esse foi o destino do meu pai; e poderá ser o meu. Esta possibilidade tem-me causado imensa ansiedade. Quem me dera ser uma pessoa mais simples, mais meu pai, que apesar do sofrimento e solidão nos seus momentos finais, era muito mais positivo do que eu. O meu grande desafio nos próximos tempos será sublimar este medo e ansiedade.

Surpreendentemente, não tenho medo do vazio, nem do momento final por si só; tenho, aliás, uma certa curiosidade por esse preciso momento em que o meu corpo cessará; o que acontece à minha consciência?

Até lá, tenho de arranjar uma nova forma de ser na vida e na morte. Forma tal que me permita aceitar com paz e tranquilidade o fim que se aproxima; e forma tal que não force um fim que não é suposto existir. Uma total aceitação do que fui até agora nesta vida; posso partir quando Deus quiser. Entre brechas, já vivi esse espírito de que falo. Momentos de iluminação, arrepios no meu corpo inteiro, eu e a natureza indissociáveis.

Deus sonha, e nós vivemos. 
Deus acorda, e nós morremos.

sábado, 8 de junho de 2024

Narcisismo Colectivo

Aquelas almas vazias que vivem para alimentar a sua própria imagem.

Aquelas mentes anãs que insistem na separação dos seres humanos em categorias frívolas de etnia, género, cor de pele, entre outras.

Aqueles que, com pensamento afunilado, não percebem o que excluem ou quem excluem.

Aqueles que desgastam a cola social em nome de uma ideologia que em teoria se diz benigna.

Aquelas cuja razão e o diálogo não alcançam.

Todos estes devem ser ignorados e ultrapassados. Não há esperança para um doente mental que tem orgulho na sua doença, e que acha que dela todos deviam padecer. Tal como não há redenção para um parceiro abusivo, tóxico e narcisista, pois a sua identidade vive exclusivamente da sua doença: não pode ser curado senão por ele próprio.

A Maldade é a intensificação da separação.

Prece

Peço-te um desejo: que me deixes morrer.
Se fores piedoso, o meu corpo permanecerá
tão salutar como qualquer amanhecer.

Liberta-me - livre, faço bem o teu trabalho.
Destrói-me - revelerás, assim, o meu cerne.

Quero dar a este mundo aquilo que de mim precisa.
Se nada, então tira-me também o corpo.

quinta-feira, 6 de junho de 2024

Ciclo da Alma

Um grande calor a secar a miríade de poças que nos encerra.
Unidos nas nuvens, somos oceano no ar.
E chovemos enfim na terra, nós, Dilúvio.

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Poema da Essência

Descasco esta cebola à luz das estrelas.
Resta depois de mil camadas me livrar,
um único ponto iluminado na noite,
um cosmos que expandiu no descamar.

Desapareci, e encontrei-me.

quarta-feira, 22 de maio de 2024

Abismo

Abro os olhos e desliza o mundo para o abismo. À minha volta, poucos são os olhos onde réstia de luz brilha: o abismo alastra-se, dentro de nós. Percebo, então, que é hora de desistir de tudo: de um caloroso amor, de uma mão amiga, de uma vida moderna, de uma casa com lareira, deste corpo. Aceito, com todo o meu ser, o grande sofrimento que nos vem abraçar. Aceito o Nada. E curiosamente, não me desfaço em Nada, não me deprimo, não me torno nesse Nada que bate à porta. 

Aceito o Nada e torno-me em alguma coisa, que ainda hei-de aqui descrever.

terça-feira, 26 de março de 2024

Solidão

Quão grande o fogo que arde dentro de mim, e quanto tem vindo a crescer. Labaredas que chegam à superfície da minha alma, e que nascem na sua profundeza. Não importa, porque nunca são vistas; e quando são vistas, não são apreciadas. Estou só, um facto que parece ser permanente.

Todo o meu esforço, todo o meu crescimento se resume a isto: expandir a bolha que sou eu e envolver o mundo inteiro. Tudo isto implica mudança e capacidade de sofrimento, um apagar e rescrever, uma reconciliação consigo próprio e com o outro, uma dialéctica infindável. E implica, também, o não esperar recompensa por tamanho trabalho. 

Mas será que implica perder a esperança de encontrar um outro que se encontre em mim? Pode esta universalidade ser amada?

Ser amado é ser visto; e a luz da chama não chega aos olhos de ninguém.