terça-feira, 8 de agosto de 2017

O que há de mais fundamental em mim

Procurei, durante anos, descrever completamente aquilo de que sou feito.

Não obstante o meu amor ao mundo físico, pouco me satisfaz a resposta materialista, que não captura todas as disposições do que há de mim e em mim, para além do que pode ser expresso por um movimento da língua, por uma linha comprida de grafite esbanjada em árvores mortas | delineando, amiúde, expressões simbólicas que escondem o mundo | ou pelo seco som das luvas a bater num saco de areia. O que tento expressar está mais perto do amor estampado nas ruas, do arrepio na espinha quando vejo a morte do dia, do vazio preenchido e do oxímoro que não se contradiz. Todas estas e outras insuficientes analogias podiam ser exaustivamente enumeradas, sem que eu chegasse mais perto de explicar o que realmente me faz, e sem me afastar daquilo que me leva a escrever.

Tenho ideias: lembro-me de padrões que se repetem na natureza, e de como partir um rochedo até ao átomo é como partir o espírito até àquilo que carece de palavras. Aquilo que parte o rochedo, a inexorável força; aquilo que parte o espírito, a impiedosa vida. O que sobra depois da negra jornada pela intrincada selva da natureza humana é fundamental - só o que é indivisível e indestrutível o pode ser. O que há em mim é uma vontade inesgotável de construir o mais magnânimo dos edifícios, feito do puramente indivisível, e embebê-lo em todo o raio de luz, em todas as emoções do mar, em cada beijo do vento na pele, em cada estrela sob a montanha e em cada segredo escondido pela grafite, e sabê-lo uno.