domingo, 1 de junho de 2014

Multiplicidade

É tentador rotular. Imaginemos por momentos quão penoso seria criar um sistema mental para toda a multiplicidade e características diferentes, e por vezes contraditórias, que encontramos em pessoas distintas. Em vez disso, o ser humano tem, talvez por razões evolutivas e de cariz social, a necessidade de agrupar e amalgamar características que nem sempre têm o reflexo limpo da realidade, não a absoluta, que ninguém, nem mesmo o próprio sujeito, conhece na totalidade, mas a realidade que tem em conta as vivências da pessoa em questão, esculpida por golpes deferidos pelo tempo e infortúnios. Não me despeço, atenção, da profissão intransigente que é ser um "rotulador", que seria, inevitavelmente, despedir-me da minha humanidade; acredito, no entanto, que a consciencialização traz arrastadas por uma corda oportunidades para tomar melhores decisões. Clareando a nébula, tenho a opinião de que as várias características, que no todo constituem personalidades, dependem sempre da condição social, económica, emocional e temporal em que um indivíduo se encontra: é uma posição simples, por certo não original, e de fácil defesa, mas que não deixa de ser menos adequada ao fenómeno. Creio que os indivíduos possuem uma pirâmide de prioridades que alternam dependendo dos factores atrás enumerados, o que por sua vez transparece características diferentes. Pensemos no rótulo de "egoísta"; a maioria de vós irá concordar que não existe sequer uma situação imaginável onde este rótulo possa ser aplicado para descrever alguém duma forma positiva. Eu penso que ser egoísta tem as suas multiplicidades; na realidade, extrapolo isso para todos os rótulos. Um indivíduo egoísta pode apenas sê-lo quando o que ele possui, e que prefere guardar para si em vez de dar ou emprestar, é limitado; pode até acontecer que não seja egoísta no geral, mas que ache que, num acesso moralista, a pessoa à qual iria emprestar a dita "coisa" não a merece. Da mesma forma um indivíduo não deve ser rotulado de "honroso" ou "ético", mas no máximo as suas atitudes de "honrosa" ou "ética". Este relativismo parece-me adequado tendo em conta a falta de consistência da natureza humana quando posta em diferentes contextos - dito isto, não considero que haja um ser absolutamente consistente, e por isso absolutamente "moral". Não obstante, sei que um indivíduo pode ser extremamente consistente, mostrando vezes sem conta e em diferentes contextos uma sólida atitude; ergo, mostrando que a sua pirâmide de prioridades muda pouco com as diferentes situações. Esta ideologia enfatiza a importância de se conhecer a si próprio e ao outro; funciona comigo e alerta-me para não ser demasiado rápido a rotular outrem, mas também me encoraja a manter uma postura sólida perante diversas situações, ou pelo menos, ao saber qual a minha posição nesses casos. Deitar luz sobre a nuvem negra da incompreensão alheia é algo que aprendi humildemente com aqueles "rotuladores" extremamente incompetentes.